quarta-feira, 11 de abril de 2012

Murmúrios do Sena

Ela entrou na sala de atendimento. Uma senhora acima dos 40 anos, ainda jovial e sem toda a pompa que mulheres da sua idade muitas vezes insistem em ostentar. Foram 50 ou 55 minutos de conversa, com a mulher expondo seus sofrimentos, típicos da meia idade: uma vida toda dedicada à família, a sua e as dos outros, em casa ou nas igrejas que frequentou ou nos empregos que teve, para que ninguém lhe dê o valor que julgava ter. Como se o mundo fosse composto por ingratos e por pessoas que se aproveitam da dedicação e da bondade dos outros.

Nesse momento, toca uma música no aparelho de som: um noturno de Chopin, talvez o mais conhecido deles, o nº 2 do opus 9, apelidado postumamente de "Murmúrios do Sena". Muitos filmes e novelas já utilizaram essa obra, muito lírica e carregada de sentimentos; em uma novela, a personagem lança na Baía da Guanabara o piano, no qual costumava executar o noturno, sepultando no mar uma vida de sentimentos chopinianos.

Inevitável que o terapeuta relacione a música ao drama da sua atendida. E ao seu drama. É inexplicável isso, mas é como se o seu próprio sentimento de tristeza e vazio não tivesse importância, só o da jovem senhora à sua frente. Mas, mesmo não sofrendo seu sofrimento, ele lembra que o danado do sentimento existe.

Os sentimentos passam, não ficam armazenados em algum lugar obscuro do cérebro humano, fato. Mas eles voltam, eles teimam em voltar. Se não na sua forma original, pelo menos na forma de lembrança, a incômoda lembrança de que algo mais ou menos conhecido não vai bem. É fácil abafar os sentimentos, muito fácil.

Só, talvez, não seja saudável. Nem sensato.

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