O plano original era uma viagem a dois. Começou por uma brincadeira, encontramos uma super promoção de passagens e depois fomos ver para quais destinos se aplicava. E depois de compradas as passagens, veio a lembrança de que a viagem coincidiria com o 2º aniversário do namoro. Lua de mel em Buenos Aires.
Buenos Aires. Ah sim, essa terra que tanto amei todas as vezes que fui.
Cada ida a BUE foi uma experiência diferente; diferentes visões e diferentes ações, gerando diferentes memórias e sentimentos.
A primeira ida foi de carro: quase 2.000km, quatro pessoas. Problemas com o seguro do carro na travessia pela fronteira, atraso de mais de duas horas para ser liberado pela imigração. A foto debaixo da bandeira argentina, ostentando o passaporte carimbado com o primeiro visto (desnecessário, entra-se na Argentina apenas com a Identidade brasileira). A estrada, as paisagens, o chaco, a ponte em Paso de Los Libres/Uruguaiana, "Regionales Maria", la más grande tienda de artículos regionales de Argentina, o bife de chorizo em Concordia (até hoje é o melhor que já comi em todas as viagens), a Autopista Panamericana entre Zárate e a Capital Federal (velocidade máxima de 130km/h e eu acelerando o que podia o meu popular 1.0, para aproveitar que eu simplesmente podia correr)... o trânsito em BUE, as dores de cabeça das discussões entre os quatro viajantes, a Noche de Año Nuevo na Praça Manuel Dorrego, os passeios de trem e barco pelo Delta do Tigre e a balsa até Colonia del Sacramento (Uruguai). Teve sabor de descoberta, de novidade.
A segunda ida foi com ex-colegas de trabalho. 24h de ônibus, a maneira mais em conta de chegar em BUE. O café da manhã servido no ônibus, o jantar em Posadas (com direito a vinhos, champagne e demais bebidas, tudo incluso no preço da viagem). A volta das Madres de la Plaza de Mayo, emocionantes senhoras que pedem justiça pelos seus filhos mortos pela ditadura, o congresso que deveríamos ter ido (risos), a Marcha del Orgullo LGBT. A semana inteira tomando apenas cerveja, a desidratação (mais risos), a manteiga de cacau para curar as rachaduras no lábio em vez de tomar água (muitos mais risos). Martín... Christián... Maurício...
A terceira ida foi sozinho, de ônibus novamente. Fui para acertar os ponteiros com uno de los chicos acima mencionados. Íamos nos casar, já que Buenos Aires foi a primeira cidade da América Latina a regulamentar o casamento homoafetivo. Conheci a casa em que moraríamos, a família dele. Passeamos por San Isidro e Acasuso, destinos românticos populares da capital. Era primavera, a cidade estava repleta de flores. Mas no fim, acabou não dando certo; as mensagens de saudade e carinho sumiram, el chico desapareceu.
A quarta vez foi agora, este mês quase no fim. Era para ser uma espécie de lua de mel. Uma briga, pouco mais de um mês antes da viagem, pôs fim à viagem a dois. Pôs fim ao relacionamento, também. Viajei sozinho, outra vez. Agora, com a tristeza da solidão e do desafio de pensar sobre a vida, sobre mim mesmo, quem eu sou e para onde quero ir. Os novos amigos e amigas, feitos nas noites de vinho no hostel. Os passeios à pé, com o vento frio do inverno, cortando a pele, gelando os pulmões. Os sinos do campanário da Legislatura, repicando La Cumparsita ao meio-dia. As lágrimas de emoção ao ver os porteños dançando como podem para sobreviver às crises econômicas e políticas que os assolam há décadas. O museu do Cabildo de Buenos Aires, contando a história (talvez exagerada) de heroísmo da independência das Américas do colonialismo europeu.
Descoberta, diversão, romance e auto-conhecimento. Espero que a sensibilidade nunca me abandone. Espero que as lágrimas sempre me voltem aos olhos ao ver a lua crescente aparecer no céu no primeiro dia de viagem. Espero sempre me emocionar com os sons dos lugares por onde passo. Espero não criar cascas para o mundo e para as pessoas. Ojalá Buenos Aires sempre me sirva de lição de humanidade.