quarta-feira, 7 de maio de 2014

Escritos escassos

Quando criei este blog, o objetivo era ter mais uma forma de expressar aquilo que não conseguia de outras maneiras. Daí fica óbvio compreender o nome do blog, "Escritos Não Falados". Procurei dar sempre esta cara ao Escritos, um canal de comunicação que transcendesse a fala, um meio de trazer à tona pensamentos, sentimentos, impressões e outros "comportamentos encobertos", de maneira a dar vazão ao que estivesse represado debaixo da minha pele.

Acontece que, como alguns leitores mais assíduos devem ter percebido, as postagens têm se escasseado. Será que já consegui por no blog todos os sentimentos e pensamentos guardados? Será que, após o desacúmulo, logrei não mais juntar coisas exprimíveis dentro de mim? Qual o motivo para o desaquecimento do ritmo no meu tão querido Escritos?

Pois bem, fiquei pensativo sobre isso e pelo menos me rendeu este post. Reli en passent algumas postagens e percebi o que pode ser uma característica importante do Escritos: mais do que mais um meio de expressar pensamentos e sentimentos, é também uma válvula de escape. Notei que a baixa frequência de postagens começa em meados de 2012, uma época em que minha vida começou a fazer um giro de 180° - passei de fato a viver sozinho e a gostar disso, comecei a me dar conta da importância de cuidar de mim mesmo e da minha vida em todos os aspectos, aprendi que posso até contar com outras pessoas, mas a responsabilidade pelo auto-cuidado é só minha... em 2013, um ano depois e bem mais auto-suficiente, ocorreu outra mudança importante: terminei um relacionamento que durou três anos e, apesar de ter ficado obviamente triste, sobrevivi com tranquilidade; descobri que a tristeza não me impediu de continuar cuidando de mim mesmo e da minha vida, dos meus afazeres cotidianos, das minhas relações interpessoais. Talvez eu tenha, de fato, aprendido a lição do espremedor de batata: posso até querer que alguém cuide de mim, pode até ser mais cômodo e mais gostoso contar com outra pessoa, mas não preciso. Se eu não tiver um espremedor de batata, faço purê com o garfo mesmo. (Engraçado, escrevi sobre o assunto há quase dois anos, mas o aprendizado só se assentou de fato agora).

Após esse chafurdamento em meu próprio lamaçal, percebo que o Escritos é e sempre foi instrumento para expor pensamentos e sentimentos de apenas um tipo: aqueles que incomodam. Hoje, 121 postagens e quase três anos depois, percebo que o blog serviu como desabafo. Atualmente, minha vida pessoal anda bastante tranquila, cheia de paz e com poucos incômodos; e o Escritos, que sempre cumpriu seu papel, anda meio desabitado. Não é com tristeza que chego a essa constatação, não sinto falta da montanha russa que minha vida era à época em que fundei o blog; estou bem melhor e mais feliz hoje do que há três anos, sem dúvida. Apenas gostaria de saber falar/escrever sobre a felicidade e não apenas sobre o que incomoda. Será esse meu próximo desafio de vida.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Obrigado, Michelle

Amanhã é meu aniversário. Normalmente a data não me deixa triste, acho até meio cafona ficar "deprimido" num dia tão bacana. Mas, por meio de algum desses velozes pensamentos que circulam pela nossa cabeça a cada instante, lembrei que, um dia depois de mim, uma  amiga que fiz no meu primeiro emprego também completaria anos.

Fazia pouquíssimo tempo que eu havia me formado e logo assim, de cara, conheci Michelle, Assistente Social, também formada fazia pouco tempo. Conversa daqui, conversa dali descobrimos uma grata coincidência: ambos nascidos em Londrina, no mesmo Hospital Evangélico, no mesmo ano, com apenas algumas horas de diferença, não chegava a ser nem um dia completo. Brincávamos que já nos conhecíamos desde o berçário, só precisávamos atualizar os 20 e poucos anos de tempo que ficamos sem nos falar.

Michelle era dessas pessoas rígidas consigo mesma e com os outros. Exigia de si o máximo, dos outros também. Inteligente, esforçada, sonhadora (acho que é pré-requisito para ser Assistente Social), humana e justa. Com o passar dos meses, acabou se contaminando com a indolência dos outros colegas de trabalho (Andréia, Cecília e Gisélia: beijos, suas lindas) e foi se soltando e fazendo piadas e dando risadas naquele que foi, para mim, o melhor ambiente de trabalho para começar a carreira. Tive muita sorte com colegas de trabalho, alguns se converteram em amizades das quais não abro mão.

Michelle oficializou o casamento, foi morar no Pará com o esposo - ainda guardo a fita do Círio de Nazaré e a escama de pirarucu, presentes que ganhei dela - foi mãe por duas vezes.  As notícias foram se escasseando, cada um teve que cuidar da sua própria vida, não é mesmo? Infelizmente, depois de algum tempo sem saber de Michelle, na época das festas de fim de ano de 2011, recebi uma mensagem no celular, do marido dela, informando sobre seu falecimento.

Perdi uma colega, uma amiga, uma companheira de berçário. Perdi a chance de aprender com ela um pouco mais de como deixar de ser auto-indulgente e passar a me cobrar melhor desempenho pessoal e profissional. Perdi a chance de vê-la com sua prole nos braços, garanto que ela foi uma mãe amorosa e interessada. Perdi a chance dizer-lhe o quanto eu estava feliz pela vida familiar e profissional dela, fruto do empenho que ela sempre teve em sua breve passagem pela Terra.

Comemorarei meu aniversário amanhã, vou dar risadas e vou ser feliz, claro. Sei que Michelle acharia idiotice minha ficar triste por causa dela. Então, minha amiga, apesar de lembrar de você com a tristeza que lembrei hoje, desejo que seu descanso seja cheio de paz. Sei que você me desejaria feliz aniversário amanhã, se pudesse. Obrigado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O fio de Penélope

Penélope é uma personagem criada por Homero, na obra Odisseia. Esposa de Odisseu, ela é o símbolo da espera resiliente e da fidelidade conjugal, pois durante 20 anos ela aguarda Odisseu retornar da Guerra de Troia, tendo rejeitado dezenas de pedidos de casamento. Uma das estratégias para evitar os pretendentes foi dizer a eles que tecia uma mortalha para o funeral de Laerte, pai de Odisseu, alegando que somente aceitaria um pedido de casamento quando o manto estivesse pronto. Por três anos, Penélope tece um pequeno pedaço do sudário durante o dia e desmancha o trabalho durante a noite, retardando assim o prazo para a escolha do pretendente; uma de suas servas acaba denunciando publicamente a estratégia de Penélope e ela precisa encontrar novas táticas. Durante a Guerra de Troia, Penélope recusou 108 pedidos de casamento. Por fim, Odisseu retorna para Penélope e seu pai, velho e doente, para quem tecia a mortalha, viria a morrer anos depois do retorno.

A história de Penélope me encanta. Não por ser ela o símbolo da espera paciente, do amor esperançoso ou da velha ideia de que existam pessoas pelas quais se vale a pena esperar. Não, o que me encanta no mito é a estratégia, tão humana, de adiar decisões, de evitar a saída das tais "zonas de conforto", de se afastar de coisas e pessoas potencialmente ameaçadoras e, ao mesmo tempo, potencialmente gratificantes. Por diversos motivos, todos nós já criamos desculpas para evitar novidades; desde as simples "não posso, meu pai não me deixa sair com o carro durante a semana" ou "não tenho dinheiro", passando por todas as que versam sobre obrigações, como "preciso estudar", "hoje vou limpar a casa/lavar roupa" e chegando às de enunciado elaborado, como "não me imagino beijando alguém que se chama Osmailson", "tive aflição da coleção de imagens de São Francisco de Assis que ele tem em casa", "jamais me encontraria com alguém que use mocassim preto com meia branca".

Na vida real e atual, cada um de nós já deve ter-se percebido em trabalho de Penélope, atrasando ou simplesmente buscando explicações que não justificam o fato de não caminharmos para frente. Inúmeros podem ser os motivos da evitação: recusa em aceitar o término de um relacionamento, medo de se magoar novamente e insegurança com novidades são os mais óbvios. Todos esses motivos são comuns e não representam sinais de qualquer problema emocional mais grave; pelo menos uma vez durante a vida, todos nós já nos sentimos amedrontados com novidades, preferindo continuarmos com a ideia ou a lembrança "segura" de alguma pessoa-zona de conforto em vez de nos lançarmos ao desconhecido.

Creio que quando nos damos conta de qual é a funcionalidade dessas justificativas, fica mais fácil pensarmos em maneiras de burlar nossa própria sabotagem. Sim, é uma sabotagem: evitar possíveis novas e gratificantes situações, em troca de viver de uma esperança de que o ex volte ou que ele mude o suficiente para o namoro ser minimamente tolerável. Para enfrentar isso, é necessário conhecermos nossas Penélopes internas e assumirmos que o relacionamento acabou, que Odisseu não vai voltar e que há muitos pretendentes possivelmente interessantes, se permitirmos que eles se aproximem.

Não se trata de deixar o romantismo de lado e esquecermos que um dia amamos e fizemos planos de vida com nossos Odisseus; trata-se de aprendermos o limite entre a espera paciente e o medo de encarar a realidade do fim de uma relação.

(Texto revisado e revisitado, quase re-escrito, do original "O manto de Penélope", de minha autoria, publicado no Blog do Meu Primo)

sábado, 30 de novembro de 2013

A caixa.

Desculpe-me, mas hoje precisei pensar em você. Há muitos meses já me habituei a trancafiá-lo numa caixa e escondê-la na memória. Mas fique tranquilo, a caixa é bem bonita, de madeira, com suas iniciais marchetadas na tampa, bem encerada para brilhar mesmo no recôndito mais escuro. 

Abri a caixa e deixei-o ressurgir no melhor inteiro que, hoje, você pode ser meu. Seu sorriso apertado veio de imediato diante dos meus olhos, seguido pela sua voz macia, um veludo sonoro que, mesmo quando está apenas falando, sempre me deu calma. Uma paz que, atual e infelizmente, só pode existir no meu imaginário. Mesmo que hoje sejam apenas memórias, fico muito contente com a certeza de que, pela eternidade de algumas semanas, esse sorriso e essa voz estiveram comigo, fazendo-me leve, aliviando o sofrimento daqueles dias nublados em pleno julho, o mês em que as nuvens de verdade somem da cidade. 

E hoje precisei abrir a caixa encerada. Queria mesmo era o seu abraço, firme, silencioso e macio. Mas na falta da realidade, serve-me apenas lembrar de tudo que conversamos. Não dos papos sérios, queria mesmo era conversar descontraidamente sobre o quanto é tedioso lavar talheres, sobre a pintura do seu quarto, que só ficou concluída pouco tempo antes de você se mudar, sobre o tamanho exagerado das taças de vinho naquela adega elegante em que fomos. 

Você foi absolutamente competente em trazer luz e calor a um coração gélido e ressequido. Foi na esperança de, outra vez, ter luz por esses dias novamente difíceis que eu retirei a caixa encerada do cantinho em que ela fica e a destranquei. Embebi-me nas suas lembranças ao som daquela música da Maria Bethânia que conheci contigo, abri um vinho e senti a luz atravessando a lente na frente dos meus olhos. Acabou Bethânia, fechei a caixa e a recoloquei no canto escuro da minha memória. Não quero gastar toda a doçura que guardo atrás da marchetaria. Posso precisar de novo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A realidade por trás de uma mirada.

Gosto de pessoas reais. E pessoas reais sofrem de vez em quando. Pessoas reais não são fortes o tempo todo: elas choram quando é necessário e sorriem quando é fácil de sorrir. Difícil confiar em alguém que consegue sorrir mesmo quando o mundo cai ao seu entorno.

Gosto de pessoas com aquele olhar que trai a fala. "Estou bem, de verdade" e o olhar negando. Repito a pergunta e a pessoa admite: "não, não estou bem, na verdade". Não que o sofrimento alheio me cause excitação, é apenas que uma pessoa que fala das suas fraquezas é alguém corajoso, sem medo de ouvir uma resposta atravessada do tipo "sai dessa, pra que sofrer?". Tem que ser muito destemido para enfrentar o julgamento alheio sobre a desnecessidade de seus sentimentos.

Gosto de olhares. Olhares quentes, olhares macios, olhares sorridentes, olhares apertados, olhares demorados, olhares furtivos. Eu quero saborear o olhar do outro; devagar, com cuidado, detalhadamente. Quero cada instante que eu puder ter do teu olhar. Prestar atenção às cores que mudam com a luz que incide no olho. O olho, em si, não é nem belo nem feio. É só o objeto-meio pelo qual vaza a expressão contida no coração, a ideia represada na mente, a memória engaiolada nos cantos do cérebro.

Pessoas de verdade com olhares sinceros me conquistam pela eternidade.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Conectado e desconectado

Ontem lembrei do chori em La Boca. Da caipirinha na Praia Mole. Das rabas em Iguazu. Das incontáveis reuniões com os mesmos amigos no mesmo bar na 104 Sul. Lembrei daquela mancha de vinagre escuro que lhe ensinei a retirar com água com gás, naquele restaurante caro do shopping.

Lembrei das filas nos cinemas para assistir a qualquer filme muito ruim, só para passarmos mais tempo juntos. Das séries assistidas na tela pequena do computador, aquele com adesivo do Snoopy, ombros e cabeças encostados. E de quando você ficava acordado até a madrugada do meu lado entretido com seus jogos, enquanto eu dormia, plácido, agarrado à sua mão livre.

Lembrei também dos passeios às lojas, apenas para olhar. Sempre as mesmas lojas, sempre os mesmos produtos à venda, nada novo e mesmo assim tudo interessante. E que entre uma olhada e outra, eu falava em comprar algo tão útil quanto um jogo de espátulas para patê. E de que todas as vezes você me olhou com cara de "para que você precisa disso?" e que eu não entendia a sua praticidade para com a vida, praticidade que nunca tive.

Lembrei de tudo isso e me vieram à mente as risadas que demos juntos. E as lágrimas que rolaram paralelamente pelos nossos rostos. Risos e choros que quase sempre tinham os mesmos motivos.

E hoje eu acordei sorrindo e chorando. Sozinho.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Sobre culpa e perdão (Capítulo 2)

- Dicupa eu??
No texto anterior, finalizo o assunto com a suposição de que evitar viver talvez seja a melhor maneira de evitar sentir culpa. Um pouco dramática essa asserção e confesso que o drama foi proposital, no sentido de sinalizar que é, muito provavelmente, impossível viver sem sentimento de culpa. Retorno ao assunto com o intuito de refletir sobre formas de tentar minimizar ou excluir o sentimento de culpa, quando este já está presente. Para tanto, gostaria de começar a discussão pela diferença etimológica que existe entre as palavras "desculpa" e "perdão".

"Desculpa" é fácil. Des- significa "retirar", e culpa é culpa mesmo. Ou seja, retirar a culpa, simples. Ora, como se faz para "retirar a culpa" de alguém?

Em primeiro lugar, a culpa é um sentimento de quem ofendeu, magoou, rompeu ou quebrou algo ou alguém. É um sentimento único que, apesar de depender de condições concretas de vida, é uma experiência privativa de quem o sente. E este sentimento surge quando percebemos que um ato nosso foi prejudicial a outra pessoa. Aí é onde reside o pulo-do-gato: transitar da percepção de ter prejudicado alguém e reconhecer publicamente que foi o autor da injúria, mesmo que não intencional. Este reconhecimento, que normalmente é verbal, "reconheço que te prejudiquei e peço que retire minha culpa", é a face observável do ato de desculpar-se. Pedir desculpas é, etimologicamente falando, pedir para que a parte injuriada reconheça que, apesar de ter havido a mágoa, o outro não planejou o ato. Não foi intencional, não houve, dentre os motivos, o objetivo de ferir ninguém. Cabe a quem ouve o pedido de desculpas responder ou não com outra verbalização: "apesar de ter me magoado, entendo que não foi intencional..." e é somente aí que faz sentido a ideia de que alguém "retire a culpa" de outra pessoa. Na verdade, ninguém retira sentimento de ninguém. É impossível que outra pessoa acesse nossa intimidade e "retire com a mão" um sentimento tão singular, tão privado. O que o outro faz é simplesmente decidir se o reconhecimento da autoria do ato prejudicial e a justificativa de não-intencionalidade são confiáveis.
- Pufavô pufavô pufavô???

Existe aqui outro pulo-do-gato: há pessoas que reconhecem a autoria do prejuízo, apresentam a alegação de não-intencionalidade e em seu íntimo, na verdade, houve intenção sim de prejuízo. Jamais saberemos se o pedido de desculpas é sincero ou não; apenas podemos ter uma noção mais ou menos acertada sobre a veracidade das desculpas.


"Perdão" é mais complicado. Em latim, o prefixo per- indica a ideia ou conceito de algo em seu maior grau ou valor, como na palavra "perfeito", aquilo que é feito na sua melhor e mais valorizada forma. O -dão do perdão deriva de donnum, que em latim é o mesmo que dom, dádiva. Perdoar é dar(-se) ou doar(-se) por completo e na sua melhor forma.

Interrompo por aqui este segundo capítulo sobre o assunto, para me dedicar ao perdão em um texto que trate apenas dele. Continuem acompanhando a saga da culpa no meu, no seu, no nosso blog. Beijinhos.