sábado, 30 de novembro de 2013

A caixa.

Desculpe-me, mas hoje precisei pensar em você. Há muitos meses já me habituei a trancafiá-lo numa caixa e escondê-la na memória. Mas fique tranquilo, a caixa é bem bonita, de madeira, com suas iniciais marchetadas na tampa, bem encerada para brilhar mesmo no recôndito mais escuro. 

Abri a caixa e deixei-o ressurgir no melhor inteiro que, hoje, você pode ser meu. Seu sorriso apertado veio de imediato diante dos meus olhos, seguido pela sua voz macia, um veludo sonoro que, mesmo quando está apenas falando, sempre me deu calma. Uma paz que, atual e infelizmente, só pode existir no meu imaginário. Mesmo que hoje sejam apenas memórias, fico muito contente com a certeza de que, pela eternidade de algumas semanas, esse sorriso e essa voz estiveram comigo, fazendo-me leve, aliviando o sofrimento daqueles dias nublados em pleno julho, o mês em que as nuvens de verdade somem da cidade. 

E hoje precisei abrir a caixa encerada. Queria mesmo era o seu abraço, firme, silencioso e macio. Mas na falta da realidade, serve-me apenas lembrar de tudo que conversamos. Não dos papos sérios, queria mesmo era conversar descontraidamente sobre o quanto é tedioso lavar talheres, sobre a pintura do seu quarto, que só ficou concluída pouco tempo antes de você se mudar, sobre o tamanho exagerado das taças de vinho naquela adega elegante em que fomos. 

Você foi absolutamente competente em trazer luz e calor a um coração gélido e ressequido. Foi na esperança de, outra vez, ter luz por esses dias novamente difíceis que eu retirei a caixa encerada do cantinho em que ela fica e a destranquei. Embebi-me nas suas lembranças ao som daquela música da Maria Bethânia que conheci contigo, abri um vinho e senti a luz atravessando a lente na frente dos meus olhos. Acabou Bethânia, fechei a caixa e a recoloquei no canto escuro da minha memória. Não quero gastar toda a doçura que guardo atrás da marchetaria. Posso precisar de novo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A realidade por trás de uma mirada.

Gosto de pessoas reais. E pessoas reais sofrem de vez em quando. Pessoas reais não são fortes o tempo todo: elas choram quando é necessário e sorriem quando é fácil de sorrir. Difícil confiar em alguém que consegue sorrir mesmo quando o mundo cai ao seu entorno.

Gosto de pessoas com aquele olhar que trai a fala. "Estou bem, de verdade" e o olhar negando. Repito a pergunta e a pessoa admite: "não, não estou bem, na verdade". Não que o sofrimento alheio me cause excitação, é apenas que uma pessoa que fala das suas fraquezas é alguém corajoso, sem medo de ouvir uma resposta atravessada do tipo "sai dessa, pra que sofrer?". Tem que ser muito destemido para enfrentar o julgamento alheio sobre a desnecessidade de seus sentimentos.

Gosto de olhares. Olhares quentes, olhares macios, olhares sorridentes, olhares apertados, olhares demorados, olhares furtivos. Eu quero saborear o olhar do outro; devagar, com cuidado, detalhadamente. Quero cada instante que eu puder ter do teu olhar. Prestar atenção às cores que mudam com a luz que incide no olho. O olho, em si, não é nem belo nem feio. É só o objeto-meio pelo qual vaza a expressão contida no coração, a ideia represada na mente, a memória engaiolada nos cantos do cérebro.

Pessoas de verdade com olhares sinceros me conquistam pela eternidade.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Conectado e desconectado

Ontem lembrei do chori em La Boca. Da caipirinha na Praia Mole. Das rabas em Iguazu. Das incontáveis reuniões com os mesmos amigos no mesmo bar na 104 Sul. Lembrei daquela mancha de vinagre escuro que lhe ensinei a retirar com água com gás, naquele restaurante caro do shopping.

Lembrei das filas nos cinemas para assistir a qualquer filme muito ruim, só para passarmos mais tempo juntos. Das séries assistidas na tela pequena do computador, aquele com adesivo do Snoopy, ombros e cabeças encostados. E de quando você ficava acordado até a madrugada do meu lado entretido com seus jogos, enquanto eu dormia, plácido, agarrado à sua mão livre.

Lembrei também dos passeios às lojas, apenas para olhar. Sempre as mesmas lojas, sempre os mesmos produtos à venda, nada novo e mesmo assim tudo interessante. E que entre uma olhada e outra, eu falava em comprar algo tão útil quanto um jogo de espátulas para patê. E de que todas as vezes você me olhou com cara de "para que você precisa disso?" e que eu não entendia a sua praticidade para com a vida, praticidade que nunca tive.

Lembrei de tudo isso e me vieram à mente as risadas que demos juntos. E as lágrimas que rolaram paralelamente pelos nossos rostos. Risos e choros que quase sempre tinham os mesmos motivos.

E hoje eu acordei sorrindo e chorando. Sozinho.