terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O fio de Penélope

Penélope é uma personagem criada por Homero, na obra Odisseia. Esposa de Odisseu, ela é o símbolo da espera resiliente e da fidelidade conjugal, pois durante 20 anos ela aguarda Odisseu retornar da Guerra de Troia, tendo rejeitado dezenas de pedidos de casamento. Uma das estratégias para evitar os pretendentes foi dizer a eles que tecia uma mortalha para o funeral de Laerte, pai de Odisseu, alegando que somente aceitaria um pedido de casamento quando o manto estivesse pronto. Por três anos, Penélope tece um pequeno pedaço do sudário durante o dia e desmancha o trabalho durante a noite, retardando assim o prazo para a escolha do pretendente; uma de suas servas acaba denunciando publicamente a estratégia de Penélope e ela precisa encontrar novas táticas. Durante a Guerra de Troia, Penélope recusou 108 pedidos de casamento. Por fim, Odisseu retorna para Penélope e seu pai, velho e doente, para quem tecia a mortalha, viria a morrer anos depois do retorno.

A história de Penélope me encanta. Não por ser ela o símbolo da espera paciente, do amor esperançoso ou da velha ideia de que existam pessoas pelas quais se vale a pena esperar. Não, o que me encanta no mito é a estratégia, tão humana, de adiar decisões, de evitar a saída das tais "zonas de conforto", de se afastar de coisas e pessoas potencialmente ameaçadoras e, ao mesmo tempo, potencialmente gratificantes. Por diversos motivos, todos nós já criamos desculpas para evitar novidades; desde as simples "não posso, meu pai não me deixa sair com o carro durante a semana" ou "não tenho dinheiro", passando por todas as que versam sobre obrigações, como "preciso estudar", "hoje vou limpar a casa/lavar roupa" e chegando às de enunciado elaborado, como "não me imagino beijando alguém que se chama Osmailson", "tive aflição da coleção de imagens de São Francisco de Assis que ele tem em casa", "jamais me encontraria com alguém que use mocassim preto com meia branca".

Na vida real e atual, cada um de nós já deve ter-se percebido em trabalho de Penélope, atrasando ou simplesmente buscando explicações que não justificam o fato de não caminharmos para frente. Inúmeros podem ser os motivos da evitação: recusa em aceitar o término de um relacionamento, medo de se magoar novamente e insegurança com novidades são os mais óbvios. Todos esses motivos são comuns e não representam sinais de qualquer problema emocional mais grave; pelo menos uma vez durante a vida, todos nós já nos sentimos amedrontados com novidades, preferindo continuarmos com a ideia ou a lembrança "segura" de alguma pessoa-zona de conforto em vez de nos lançarmos ao desconhecido.

Creio que quando nos damos conta de qual é a funcionalidade dessas justificativas, fica mais fácil pensarmos em maneiras de burlar nossa própria sabotagem. Sim, é uma sabotagem: evitar possíveis novas e gratificantes situações, em troca de viver de uma esperança de que o ex volte ou que ele mude o suficiente para o namoro ser minimamente tolerável. Para enfrentar isso, é necessário conhecermos nossas Penélopes internas e assumirmos que o relacionamento acabou, que Odisseu não vai voltar e que há muitos pretendentes possivelmente interessantes, se permitirmos que eles se aproximem.

Não se trata de deixar o romantismo de lado e esquecermos que um dia amamos e fizemos planos de vida com nossos Odisseus; trata-se de aprendermos o limite entre a espera paciente e o medo de encarar a realidade do fim de uma relação.

(Texto revisado e revisitado, quase re-escrito, do original "O manto de Penélope", de minha autoria, publicado no Blog do Meu Primo)

Um comentário:

  1. Ju,
    vc descreveu todo o meu comportamento! Sempre caio nas armadilhas da auto sabotagem.

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