sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Sobre culpa e perdão (Capítulo 2)

- Dicupa eu??
No texto anterior, finalizo o assunto com a suposição de que evitar viver talvez seja a melhor maneira de evitar sentir culpa. Um pouco dramática essa asserção e confesso que o drama foi proposital, no sentido de sinalizar que é, muito provavelmente, impossível viver sem sentimento de culpa. Retorno ao assunto com o intuito de refletir sobre formas de tentar minimizar ou excluir o sentimento de culpa, quando este já está presente. Para tanto, gostaria de começar a discussão pela diferença etimológica que existe entre as palavras "desculpa" e "perdão".

"Desculpa" é fácil. Des- significa "retirar", e culpa é culpa mesmo. Ou seja, retirar a culpa, simples. Ora, como se faz para "retirar a culpa" de alguém?

Em primeiro lugar, a culpa é um sentimento de quem ofendeu, magoou, rompeu ou quebrou algo ou alguém. É um sentimento único que, apesar de depender de condições concretas de vida, é uma experiência privativa de quem o sente. E este sentimento surge quando percebemos que um ato nosso foi prejudicial a outra pessoa. Aí é onde reside o pulo-do-gato: transitar da percepção de ter prejudicado alguém e reconhecer publicamente que foi o autor da injúria, mesmo que não intencional. Este reconhecimento, que normalmente é verbal, "reconheço que te prejudiquei e peço que retire minha culpa", é a face observável do ato de desculpar-se. Pedir desculpas é, etimologicamente falando, pedir para que a parte injuriada reconheça que, apesar de ter havido a mágoa, o outro não planejou o ato. Não foi intencional, não houve, dentre os motivos, o objetivo de ferir ninguém. Cabe a quem ouve o pedido de desculpas responder ou não com outra verbalização: "apesar de ter me magoado, entendo que não foi intencional..." e é somente aí que faz sentido a ideia de que alguém "retire a culpa" de outra pessoa. Na verdade, ninguém retira sentimento de ninguém. É impossível que outra pessoa acesse nossa intimidade e "retire com a mão" um sentimento tão singular, tão privado. O que o outro faz é simplesmente decidir se o reconhecimento da autoria do ato prejudicial e a justificativa de não-intencionalidade são confiáveis.
- Pufavô pufavô pufavô???

Existe aqui outro pulo-do-gato: há pessoas que reconhecem a autoria do prejuízo, apresentam a alegação de não-intencionalidade e em seu íntimo, na verdade, houve intenção sim de prejuízo. Jamais saberemos se o pedido de desculpas é sincero ou não; apenas podemos ter uma noção mais ou menos acertada sobre a veracidade das desculpas.


"Perdão" é mais complicado. Em latim, o prefixo per- indica a ideia ou conceito de algo em seu maior grau ou valor, como na palavra "perfeito", aquilo que é feito na sua melhor e mais valorizada forma. O -dão do perdão deriva de donnum, que em latim é o mesmo que dom, dádiva. Perdoar é dar(-se) ou doar(-se) por completo e na sua melhor forma.

Interrompo por aqui este segundo capítulo sobre o assunto, para me dedicar ao perdão em um texto que trate apenas dele. Continuem acompanhando a saga da culpa no meu, no seu, no nosso blog. Beijinhos.

Um comentário: