quinta-feira, 18 de abril de 2013

Vamos falar sobre Kinsey?

Recentemente fiz algo que geralmente não faço, que é entrar em um embate virtual sobre sexualidade humana. Minha motivação foi o artigo "'Heterossexualidade não é natural, é compulsória', diz sociólogo", da jornalista Cléo Francisco, publicado em 15/4/2013 na seção Comportamento do portal UOL Mulher. Obrigado, Cléo, você provocou a ira de muitas pessoas e me instigou a respondê-las. Obrigado nada, passei muita raiva tentando discutir com preconceituosos.

Nos comentários à matéria, os argumentos mais utilizados para discriminar e marginalizar a homo e a bissexualidade foram a "naturalidade" e a "majoritariedade" do comportamento heterossexual, como forma naturalmente selecionada de reprodução da espécie. Foi então que eu comentei que, entre as espécies animais, especialmente aves e mamíferos, comportamentos homossexuais são amplamente conhecidos, descritos e relatados cientificamente. Ora, se a homossexualidade existe na natureza, e se tivemos centenas de milhões de anos de processo evolutivo, então é um comportamento que TAMBÉM foi naturalmente selecionado (beijos, Darwin). Obviamente, responderam ao meu comentário com um "na natureza também tem doenças". Não vou entrar no mérito de que as doenças também foram naturalmente selecionadas e de que o valor que se dá, bom ou ruim, a algo é uma arbitrariedade humana. Mas fiquei na dúvida: gente, decidam-se, vamos falar sobre o que é natural ou sobre o que não é natural?

Não não, vamos falar sobre Kinsey.

Alfred Kinsey (1894 - 1956) foi um pesquisador estadunidense que se dedicou à pesquisa da sexualidade humana e foi pioneiro neste campo científico. (Psicanalistas, me perdoem: mas vocês sabem que Freud não fez pesquisas, né?) Em 1948 publicou a obra "Comportamento Sexual no Homem" e em 1953, "Comportamento Sexual da Mulher" e estes dois livros, resultados da aplicação de mais de 10 mil questionários, ficaram conhecidos como o Relatório Kinsey. Kinsey e sua equipe levantaram com os pesquisados, dentre muitas outras informações sobre práticas sexuais, dois dados importantes: se o(a) entrevistado(a) pratica sexo com homens ou mulheres, com qual frequência de cada, e se sente atração por homens ou mulheres, com qual frequência de cada. A partir desta pequena parte dos dados obtidos, Kinsey descreveu estatisticamente a orientação sexual entre humanos, desenvolvendo uma escala que ficou conhecida como Escala Kinsey. A escala varia do item "0 - exclusivamente heterossexual" a "6 - exclusivamente homossexual". Vejam só que interessante: os escores obtidos nesses dois extremos da escala foram virtualmente idênticos, cerca de 12% cada um, ligeiramente mais alto no item 0. Ou seja, a heterossexualidade EXCLUSIVA é tão "minoria" quanto a homossexualidade EXCLUSIVA. A maioria esmagadora, cerca de 65%, dos 10 mil pesquisados responde sexualmente ou pratica sexo PREFERENCIALMENTE com um dos sexos, mas INCIDENTALMENTE/EVENTUALMENTE/MAIS DO QUE EVENTUALMENTE responde ou pratica com o outro. Destes 65%, mais de 2/3 já chegaram ao orgasmo em pelo menos uma relação homossexual na idade adulta. Sugiro como leitura a página do Kinsey Institute, vale a pena mesmo sendo em inglês: The Kinsey Institute.

O Relatório Kinsey e a escala nos mostram algo que, a meu ver, é um dos maiores achados científicos sobre sexualidade humana: nós, Homo sapiens sapiens, somos absurdamente complexos. Nossa sexualidade NÃO PODE ser definida como homo, bi ou heterossexual. Aliás, esta compartimentalização é meramente didática. Quem é o gay que NUNCA transou com uma mulher? Qual é a lésbica que NUNCA deu para um homem? Qual é o "pai de família, casado com dois filhos, pagador de impostos e homem de bem" que nunca sentiu atração por outro homem? Sentir atração pelo mesmo sexo, ou mesmo transar com alguém, incidental, eventual ou mais do que eventualmente, faz de alguém gay ou lésbica?

Creio que todos nós devemos ler e reler Kinsey ao longo das nossas vidas, muitas vezes. Para lembrarmos do quão babacas podemos ser se tentarmos etiquetar seres humanos.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Se ao menos eu tivesse um cérebro...

Um dos livros que li durante minha graduação se chama "Comportamento Humano Complexo". Desde aquela época acho engraçado este título: existem comportamentos humanos simples? Nos últimos capítulos, os autores tratam do mais complexo dentre toda a complexidade: o comportamento verbal.

(pausa para simplificações grosseiras da Análise do Comportamento, desculpa profª Vânia, desculpa Skinner)

Comportamento não-verbal é aquele que tem consequências diretas.

A- tenho sede
B- pego um copo de água
C- bebo água

Típica análise A-B-C, Antecedente, Behavior, Consequência.

Comportamento verbal é aquele que tem consequências mediadas por outro sujeito.

A¹- tenho sede
A²- tem outro sujeito perto
B-  digo: "sujeito, traga-me um copo de água, por favor"
C¹- o sujeito pega um copo de água e traz para mim
C²- bebo água

Este episódio verbal básico é só o início, eu poderia descrever uma longa cadeia de comportamentos, incluindo eu dizer "obrigado" para o outro sujeito e o meu agradecimento se torna Consequência para os Behaviors dele, que por sua vez sorri, o que se torna Consequência para meu "obrigado" etc. etc. etc.

(fim da pausa para simplificações grosseiras da Análise do Comportamento e início das conclusões grosseiras acerca disso tudo)

A partir disso, percebam o quanto o comportamento verbal nos prepara para o mundo. Não precisamos manipular nosso ambiente de forma imediata, podemos manipular o outro para que ele manipule nosso ambiente. O ambiente humano é, portanto, uma rede de manipulações de comportamento.

Ao mesmo tempo que o comportamento verbal nos prepara para o mundo, também nos impede de sermos tão suscetíveis à manipulação: uma vez que eu "falo para mim mesmo" como funcionam as coisas com o sujeito X ou Y, esta "fala interna" (conhecida popularmente como "pensamento", "consciência" e sinônimos) nos prepara para rompermos o ciclo de manipulação. Em condições ideais, eu posso parar de mediar as consequências para o outro: "ah, levante-se e pegue você mesmo sua água!"

Ao processo de observar correlações e criar "falas internas" sobre elas chamamos "raciocínio", que é a base das diferenças entre nós e todas as outras espécies animais. Viver sem este processo é o primeiro passo para nos mantermos manipuláveis. Animais não criam falas internas, não raciocinam, não são capazes de saber de antemão como se comportar com os outros sujeitos. E mais importante: não são capazes de compartilhar com os outros os seus aprendizados, senão na forma da interação. Nós sempre podemos escrever ou falar os nossos pensamentos e, com isso, alertar aos outros; em parte, é assim que nós aprendemos que devemos olhar para os dois lados da rua para que não morramos atropelados, a lavarmos as mãos para evitar contaminações, a trabalhar a vida toda para podermos usufruir de uma velhice confortável décadas depois...

Pensar liberta o ser humano dos outros seres humanos. Simbolicamente, é como o desejo do Espantalho de O Mágico de Oz: ao pensar, ele é capaz de sair da estaca na qual estava amarrado. If I only had a brain...


quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ki vagyok én?

O maior aprendizado científico, filosófico, humano e social que a formação em Psicologia me proporcionou é a compreensão de que as coisas só existem em relação. Não há nada que seja absoluto, nenhuma existência-em-si. As coisas existem? Sim, elas existem e essa afirmação (por vezes chamada de "visão positiva") é fundamental para a ciência tal como é conhecida. Mas o mais importante não é afirmar a existência das coisas e sim, qual é a relação entre as existências.

A antiga questão filosófica de que "se uma árvore cai no meio da floresta e ninguém presencia, é possível afirmar que ela caiu?" pode ser respondida tanto com "sim, caiu"  (se o fenômeno foi presenciado e registrado), quanto por "não se sabe". A meu ver, a resposta mais completa seria "depende".

Se a árvore cai, pode ser que não haja registro consciente/verbal/escrito/pensado feito por algum Homo sapiens sapiens. Neste sentido, pode-se dizer que, em relação ao montante de conhecimentos acerca da realidade, a queda de uma árvore não provocou impacto. Pode até ter caído, mas para que ou quem isso é importante? O que me parece é que a queda da árvore só faz sentido para (e se) provocou um start de relações e correlações com tudo o que há a sua volta. Depende das consequências que provoca para ser conhecida. Fenômenos físicos, químicos, biológicos e também psíquicos, sociais e humanos só fazem sentido em relação.

Parece simples chegar a essa conclusão e aceitar as consequências disso. Entretanto, as complicações apenas começam neste exato momento em que se admite a relatividade do mundo. Passemos para o campo da existência humana, tão aclamada e valorizada em todos os campos do conhecimento. Vamos imaginar um (possível) Sr. Oláh Géza, nascido em Sarkad, Condado de Békés, Hungria. Esta pessoa existe?

Sim e não.

Existe para quem o conhece. Existe para quem age/reage/interage(iu) com ele. Existe agora, que citei neste texto e agora que, pelo menos na forma de um nome escrito com oito letras no total, ele provocou impacto em quem neste momento lê meu texto. Para quem não leu e não interagiu com o Sr. Oláh, ele continuará a não existir.

Filosófico demais? Não. Pretendo não entrar no mérito da Análise Comportamental, mas para quem está familiarizado com a abordagem, é fácil perceber o quanto esta discussão também é científica e psicológica.

Ampliando um pouco mais a questão, remodelo a pergunta: "eu existo?" Existo para quem sofre as consequências do meu ser-no-mundo. Existo para mim mesmo, humano e dotado de autoconsciência (e minha autoconsciência só existe na minha relação com o outro, mas esta é questão para outro texto). Mas, com quase toda a certeza possível, eu não existo para o Sr. Oláh. Relação injusta essa, eu não existo para ele, mas ele passou a existir para mim enquanto escrevia este texto.

E vocês, existem?

terça-feira, 2 de abril de 2013

Antes de partir

Não me preocupo se não houver ninguém me esperando do outro lado. Aliás, há mais de uma década que eu abandonei a ideia de que pode haver algo além da morte, este país não descoberto de cujos territórios nenhum viajante retorna, nas palavras de Hamlet.

Não, não me preocupo com o depois. Minha preocupação é o antes.

Quem vai me contar uma história antes de partir?

Depois de ver essa cena ontem (clique no link abaixo e assista e chore), jurei ficar uns bons anos sem assistir Tomates Verdes Fritos: