sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Vejo sorrisos onde eles não existem, qual é o meu problema, doutor?

Já escrevi, meio por alto, algo sobre minha infância cheia de fantasias (neste texto AQUI). Quase todas as fantasias daquela época já se foram e, com o passar das décadas, novas fantasias "surgiram" para ocupar o espaço e para tornar mais leve a dureza da vida real.

Hoje eu vi uma foto que um amigo (Dudu) publicou numa rede social. Uma foto absurdamente prosaica: o retrato de um componente de computador, com circuitos integrados e marcas de solda e fios elétricos. Rotacionando mentalmente a foto, visualizei um sorriso. A humanização do inumano, a beleza da prosa, a poesia no inanimado.

:)
Chamaram-me de otimista. Enxergar sorrisos entre cabos eletrônicos ou otimismo ou senso estético ou fantasia. Tudo faz parte da estratégia humana para sobreviver à dureza do cotidiano.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Memoirs de um viajante

O plano original era uma viagem a dois. Começou por uma brincadeira, encontramos uma super promoção de passagens e depois fomos ver para quais destinos se aplicava. E depois de compradas as passagens, veio a lembrança de que a viagem coincidiria com o 2º aniversário do namoro. Lua de mel em Buenos Aires.

Buenos Aires. Ah sim, essa terra que tanto amei todas as vezes que fui.

Cada ida a BUE foi uma experiência diferente; diferentes visões e diferentes ações, gerando diferentes memórias e sentimentos.

A primeira ida foi de carro: quase 2.000km, quatro pessoas. Problemas com o seguro do carro na travessia pela fronteira, atraso de mais de duas horas para ser liberado pela imigração. A foto debaixo da bandeira argentina, ostentando o passaporte carimbado com o primeiro visto (desnecessário, entra-se na Argentina apenas com a Identidade brasileira). A estrada, as paisagens, o chaco, a ponte em Paso de Los Libres/Uruguaiana, "Regionales Maria", la más grande tienda de artículos regionales de Argentina, o bife de chorizo em Concordia (até hoje é o melhor que já comi em todas as viagens), a Autopista Panamericana entre Zárate e a Capital Federal (velocidade máxima de 130km/h e eu acelerando o que podia o meu popular 1.0, para aproveitar que eu simplesmente podia correr)... o trânsito em BUE, as dores de cabeça das discussões entre os quatro viajantes, a Noche de Año Nuevo na Praça Manuel Dorrego, os passeios de trem e barco pelo Delta do Tigre e a balsa até Colonia del Sacramento (Uruguai). Teve sabor de descoberta, de novidade.

A segunda ida foi com ex-colegas de trabalho. 24h de ônibus, a maneira mais em conta de chegar em BUE. O café da manhã servido no ônibus, o jantar em Posadas (com direito a vinhos, champagne e demais bebidas, tudo incluso no preço da viagem). A volta das Madres de la Plaza de Mayo, emocionantes senhoras que pedem justiça pelos seus filhos mortos pela ditadura, o congresso que deveríamos ter ido (risos), a Marcha del Orgullo LGBT. A semana inteira tomando apenas cerveja, a desidratação (mais risos), a manteiga de cacau para curar as rachaduras no lábio em vez de tomar água (muitos mais risos). Martín... Christián... Maurício...

A terceira ida foi sozinho, de ônibus novamente. Fui para acertar os ponteiros com uno de los chicos acima mencionados. Íamos nos casar, já que Buenos Aires foi a primeira cidade da América Latina a regulamentar o casamento homoafetivo. Conheci a casa em que moraríamos, a família dele. Passeamos por San Isidro e Acasuso, destinos românticos populares da capital. Era primavera, a cidade estava repleta de flores. Mas no fim, acabou não dando certo; as mensagens de saudade e carinho sumiram, el chico desapareceu.

A quarta vez foi agora, este mês quase no fim. Era para ser uma espécie de lua de mel. Uma briga, pouco mais de um mês antes da viagem, pôs fim à viagem a dois. Pôs fim ao relacionamento, também. Viajei sozinho, outra vez. Agora, com a tristeza da solidão e do desafio de pensar sobre a vida, sobre mim mesmo, quem eu sou e para onde quero ir. Os novos amigos e amigas, feitos nas noites de vinho no hostel. Os passeios à pé, com o vento frio do inverno, cortando a pele, gelando os pulmões. Os sinos do campanário da Legislatura, repicando La Cumparsita ao meio-dia. As lágrimas de emoção ao ver os porteños dançando como podem para sobreviver às crises econômicas e políticas que os assolam há décadas. O museu do Cabildo de Buenos Aires, contando a história (talvez exagerada) de heroísmo da independência das Américas do colonialismo europeu.

Descoberta, diversão, romance e auto-conhecimento. Espero que a sensibilidade nunca me abandone. Espero que as lágrimas sempre me voltem aos olhos ao ver a lua crescente aparecer no céu no primeiro dia de viagem. Espero sempre me emocionar com os sons dos lugares por onde passo. Espero não criar cascas para o mundo e para as pessoas. Ojalá Buenos Aires sempre me sirva de lição de humanidade.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Namorados e espremedores de batata

Algumas coisas você precisa. Outras você apenas deseja.

Há alguns meses que penso em comprar um espremedor de batatas. Parece ser das coisas que eu preciso, já que eu sou simplesmente apaixonado por purée. Mas existem garfos em minha casa, os quais cumprem bem o papel de amassar batatas cozidas. Portanto, espremedor de batatas sai da categoria de necessidade e passa para a do desejo. Mais um exemplo: tenho um apetrecho que faz ovos cozidos ficarem cúbicos, isso sim nunca chegou a me confundir, sempre ficou no campo do desejo.

Ovo quadrado
Após alguns contratempos ocorridos recentemente, fiquei pensando o quanto que os relacionamentos também confundem as pessoas. Cheguei, mais ou menos, à mesma conclusão do espremedor de batatas: relacionamentos não são coisas sem as quais nós não viveremos. Todo mundo é capaz de viver sem namorados, noivos, esposos, ficantes etc. Fica no campo do desejo, da vontade de estar com alguém, de compartilhar bons e maus momentos, de trocar carinho com alguém conhecido, em vez de procurar novidades semanalmente. E me parece um real problema quando as pessoas confundem e sentem como se não pudessem viver sozinhas.

Talvez devêssemos pensar em namorados como espremedores de batatas: facilitam a nossa vida e desejamos tê-los, mas, a rigor, não precisamos.


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Poeira, suor e Chanel.

A noite anterior tinha sido surpreendente: apesar das poucas horas de sono, estas foram bem dormidas. Repousantes, enfim, após as turbulências todas das semanas anteriores.

Ele acordou, tomou banho, arrumou o cabelo na frente do espelho, redescobrindo-se interessante. Resolveu que era dia de usar seu melhor perfume, um Chanel.

Saiu para a garagem e se deparou com o pneu furado. Trocou o pneu debaixo do sol, já forte ainda àquela hora da manhã, suou, sujou as mãos de poeira. Foi trabalhar assim, sem voltar para casa e se lavar, preferiu não se atrasar mais do que os 30 minutos perdidos com o contratempo.

Auto-estima, apesar do suor e da poeira. E o Chanel encobriu qualquer possível odor desagradável que tenha surgido.