quarta-feira, 28 de março de 2012

Blé

Você faz uma brincadeira. Com tom de brincadeira e tudo, para que pareça mesmo que é uma brincadeira. Mais claro do que isso só se avisasse antes: "olha, vou fazer uma brincadeira". O outro acha ruim.

Você diz: "foi uma brincadeira".

E a outra pessoa continua achando ruim.

Aí agora é você que acha ruim porque o outro achou ruim ou porque não entendeu que era brincadeira ou entendeu mas mesmo assim achou ruim. E o outro sai sem entender nada, achando que você o chamou de vilão.

Todos acha ruim. Todos é vilão.

Seres humanos, blé.

terça-feira, 20 de março de 2012

Receita para se livrar de um corpo

Você vai precisar de: muitos metros de papel alumínio.

O sonho ridículo dessa noite envolveu a mim, um cadáver embrulhado em papel alumínio no porta-malas do carro e uma pessoa que lembrava muito meu terapeuta.

Eu tinha um utilitário esportivo com porta-malas que cabia uma pessoa deitada dentro. Cheguei à uma praia e tentei resolver o problema da desova do corpo no papel alumínio, inutilmente: muitas pessoas passando pelo calçadão da praia, fazendo caminhada, carregando seus cachorros e carrinhos de bebê. Eu e essa pessoa que lembrava meu terapeuta encostados no carro, braços cruzados, pensando sobre a situação enquanto ele dizia:

"O jeito é aqui mesmo, ninguém vai reparar" (e meu pensamento no sonho era 'ok, ninguém vai reparar num cadáver EMBRULHADO EM PAPEL ALUMÍNIO, ok')

Ninguém vai reparar em mim *ryzos*

"O teu problema, Juliano, é que você não acredita em uma proteção maior" (ARRAM, ALGO OU ALGUÉM VAI FAZER COM QUE ESSAS DEZENAS DE PESSOAS NA PRAIA NÃO VEJAM  DUAS PESSOAS DESOVANDO UM CADÁVER.EMBRULHADO.EM.PAPEL.ALUMÍNIO, ARRAM) "igual você já escreveu no seu blog uma vez..."

Tem uma coisinha brilhante no seu carro.

Olha, não sou mesmo desse tipo de pessoa que dá moral para sonhos. E de fato, este sonho não me deixou triste ou angustiado ou chateado nem nada, acordei dando risada até. Só fico pensativo sobre minha sanidade mental ao ter sonhos desse tipo.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Quatro conceitos vicariantes


MUDITA
SCHADENFREUDE
INVEJA
COMPAIXÃO


Mudita: conceito budista, estado de espírito experimentado quando se sente prazer pelo outro sentir felicidade ou contentamento.


Inveja: sentimento de raiva, desprazer ou ódio pela felicidade do outro.


Schadenfreude: do alemão Schade, estrago ou adversidade, e Freude, prazer. Satisfação com a desgraça alheia.


Compaixão: sentimento de raiva, desprazer ou ódio pela infelicidade do outro.


A Língua Portuguesa e sua dificuldade em conceituar o altruísmo... e em assumir seu sadismo...

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia da Mulher

Nada de flores, nem de bombons, nem de cartões. Dia das Mulheres é um dia de luta.

Luta contra a desigualdade de direitos entre os gêneros. Contra a diferença de poderes: "isso uma mulher pode, isso só um homem pode". Contra o rebaixamento dos símbolos de feminilidade, sejam eles ostentados por homens ou mulheres. 

(Parêntesis para falar sobre homofobia: um homem também pode ostentar símbolos de feminilidade e uma mulher pode abdicar deles, se assim quiserem ou se sentirem à vontade. E ter relacionamentos afetivos e sexuais com pessoas do mesmo gênero não deve ser entendido como sinal de "sexualidade cruzada". E heterossexualidade não é o caminho natural, é um dos possíveis caminhos e todos são naturais)



É dia de levantar a voz e dizer que todos somos dignos de respeito. Que não é necessário se contentar com os papeis sociais e de divisão de trabalho que a sociedade insiste em imputar.

É dia de não querer ser tão bonita como a modelo ou a atriz. Ou é dia de querer ser sim bonita como a modelo ou a atriz, porém tendo consciência de que isso não é necessário. Ser mulher não é escolhido. Ser feminina pode ou não ser uma escolha.

Mulher não "pensa com o coração". Mulher pensa. Mulher decide. Mulher escolhe. Tal e qual os homens. Tratar mulheres como bonecas ou princesas, frágeis, dóceis e sentimentais, é tratar mulheres com condescendência: "deixa ela, pobrezinha, pensar que é esse o seu único poder"...

Mulher luta.

Parabéns não por ter "nascido mulher". Parabéns por ter "nascido ser humano".

segunda-feira, 5 de março de 2012

(Des)apego (des)necessário ou (im)possível

Numa tentativa parcialmente frustrada de faxinar a casa, retirei do quarto uma jaqueta de couro que mofou, como várias outras coisas que já mofaram desde que me mudei pra essa cidade de clima monçônico.

À parte da sensação horrível que é jogar um produto estragado que custou algumas horas do suor do rosto, outros sentimentos e pensamentos se apoderaram de mim.

Fiquei triste, de verdade. Lembrei do dia que comprei a jaqueta: estava com uma grande amiga, a colega blogueira "diretora" do Sentimentos aos Pedaços, passeando na cidade argentina de Puerto Iguazu, e entramos numa das várias lojas de couro e lã. É sério, a jaqueta falou comigo. Y en español misionero, ainda por cima. Não tive como não adquirir este pequeno pedaço de pele de vaca deliciosamente curtido e ainda a um preço muito convidativo (cerca de R$350,00 na época).

Loja de couro e lã em Puerto Iguazu

E essa viagem à Puerto Iguazu foi uma das mais legais que eu já fiz, só eu e minha amiga; ela passava por umas barras na vida dela e fomos viajar com intuito de ela se sentir mais alegrinha... foram dias lindos...

E com essa tristeza em me desfazer da jaqueta, mais uma vez aflorou toda a dificuldade que eu tenho em me apegar demais a coisas e pessoas. Cada um dos objetos que hoje fazem parte da minha vida tem uma história. E cada história é parte de como eu sinto, como eu penso, o que eu valorizo. Resumindo: cada uma das minhas poucas posses é um fetiche que me lembra quem eu sou.

Desfazer-me de símbolos do meu passado é algo como desfazer-me de mim mesmo. Dói.

Eu sou a minha história.